Karl Marx denominou de trabalho morto a parcela do esforço que conserva-se em cada objeto, em cada processo herdado e apropriado pelo capital. Na mesa sobre a qual escrevemos, na forma de expressão que usamos estão depositados o trabalho do carpinteiro que primeiro aparou uma madeira, do remoto gramático que torneou a primitiva oração.
O trabalho morto não refere a uma realidade. É uma figura de retórica. Sinédoque, que lembra que a riqueza é uma construção, que a cultura é uma edifício, que seguimos os que nos precederam, que somos anões no ombro de gigantes. A figura não dá conta da questão filosófica de saber o que, de fato, subsiste do nosso trabalho depois que nos vamos.
As inumeráveis soluções oferecidas a esta questão derivam de quatro argumentos clássicos: o de Sócrates, o de Aristóteles, o de Orígenes, o de Avicena.
O argumento socrático, constante no Fédon, é de que fica a memória dos outros. Nada físico, nada psíquico, nada pragmático restará de nós no mundo quando já não formos.
O argumento aristotélico, cristianizado por S. Tomás de Aquino ao explicar a ressurreição dos corpos, é a de que a existência, dependente que é da corporeidade, deixa ao partir as marcas do que fizemos: a nós e ao mundo.
Orígenes, que teve que se haver com a fé na consumação dos corpos, tomou a frase de Cristo que diz que no Céu de nada recordaremos, para assegurar que não restará matéria. Reduzidos (ou elevados) à condição de pneuma, uma mistura de ar e fogo, se algo do nosso trabalho ficar, não será marca nem memória, mas o evanescente.
Avicena, o filósofo do Islã, argumentou que a materialidade do corpo só é necessária para construir a Identidade, um ego metafísico. Transitada pelo mundo, a Identidade não dependerá do corpo para subsistir. Do nosso trabalho morto não restará resquício, não ficará nem mesmo a memória. A nossa ou a dos objetos.
A tênue marca, a fugida memória, o evanescente ou o nada. Parece sensato trabalharmos para a posteridade?
Referências
Marx, Karl (1974). Para a crítica da economia política, in Os Pensadores, Vol. XXXV, Abril Cultural, São Paulo.
Fédon in Platon, Obras completas (1981). Traducción y notas de Maria Araujo et ali; Marid; Aguilar S.A. de Ediciones
Jaeger, Werner (1995) Aristóteles, Fondo de Cultura Económica, México, México.
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