Epistemologia & Método.
No Domingo de Ramos de 1728, fugindo do duro sistema de ensino a que era submetido na sua Genebra natal, Jean-Jacques Rousseau, foi acolhido pela baronesa Françoise-Louise de Warens, que à época, por razões não muito claras, auxiliava o padre Monsieur de Pontverre na conversão de jovens protestantes.
Os três anos que passou na maison de Charmettes, na Savoia, usufruindo os favores de Mme. de Warens, a quem Jean-Jacques traçava amavelmente – ela com 29 anos, ele com 16 – e a quem, freudianamente, chamava de “maman”, foram os da sua conversão, os de seu adestramento existencial e os da sua formação filosófica.
Uma catequese, um aprendizado e uma formação breves e eficientes, como se lê no primeiro tomo das Confessions[1] – que não são memorial ou diário, mas obra de reflexão sobre a vida.
Dentre os pontos de interesse que ali são alinhados, figura – além do referente aos detalhes das indecorosas travessuras entre “maman”, e “petit”, como ela o chamava – a distinção entre a burocrática filosofia acadêmica e o filosofar propriamente dito.
Com uma vasta biblioteca à sua disposição, Jean-Jacques, músico de formação, jovem e com poucos conhecimentos, primeiro tentou conciliar as diversas escolas e pensadores. Logo concluiu ser impossível a empreitada. Então adotou o expediente de pensar como o faria se fosse cada um dos autores que estudava. Deu certo. Aprendeu seus métodos, seus estilos. Verificou suas fragilidades, suas lacunas. Avançou a ponto de, ao cabo, ser capaz de pensar por conta própria.
Suas reflexões são originais e agradáveis de ler. Principalmente porque cita pouco e não dá barretadas às autorictas, o que difere o filósofo propriamente dito em relação aos acadêmicos de então como de hoje. Mas o maior interesse (além do das relações com “maman”, a quem Rousseau amou ternamente pelo resto da vida) das Confessions – é o do salto para o pensamento autônomo.
De acordo com as vívidas lembranças do velho, consagrado e perseguido Rousseau, animou-o o desassombro que decorre do estudo acurado dos pensadores antigos e a liberdade dada pelas lacunas que este estudo denuncia. Ainda que, à época, dela possa não ter tido ciência, a propedêutica para uma reflexão autárquica que nos legou Rousseau alia o proveito de se vivenciar (não memorizar, não copiar) a filosofia precedente e a insuficiência deste conhecimento para explicar o mundo presente e a nós mesmos.
UTILIZE E CITE A FONTE.
[1] Rousseau, Jean-Jacques (2012). Les confessions. TRANSCRIPT solutions. Ebook Kindle. Français.