Trabalho.
A cristandade admite três carismas: a faculdade de sarar, a glossolalia e a profecia. Na Epístola aos Romanos (12, 6), São Paulo ressalva que essas graças (gr. khárisma,atos) de Deus devem ser exercidas em analogia e similitude da fé. Vale dizer, que são excluídos, in limine, do poder de restabelecer a sanidade, da capacidade de falar em língua desconhecida e do vaticínio carismático aqueles que não estão de acordo com a crenças cristã e com a interpretação eclesiástica.
Esta advertência tem duas implicações: i) as mudanças no posicionamento teológico invalidam retroativamente as curas, os discursos e as profecias; e, ii) as verdades históricas, como por exemplo, as relativas aos milagres, podem ser contestadas a qualquer momento.
Quer isto dizer que não existem adivinhações cristãs, mas antevisões, e somente aquelas que se realizam estão de acordo com a fé. É o atributo da infalibilidade retroativa dos agouros que empresta credibilidade aos milagres cristãos e às profecias autorrealizadas.
Embora os prognósticos autocumpridos sempre tenham existido, foi somente no século XX que Robert K. Merton (aliás, Meyer R. Schkolnick; EUA, 1910-2003), cunhou a expressão que os denomina – self-fulfilling prophecy –, e os descreveu como “uma definição ‘falsa’ da situação, que desperta um novo comportamento, que faz com que a concepção original (falsa) se torne ‘verdadeira’”.
Em outros termos: uma profecia autorrealizada é uma predição que é em si mesma a causa de que se torne realidade. Por exemplo, os rumores de que um banco está prestes a quebrar promovem uma corrida de retirada de depósitos. Estas retiradas podem, eventualmente, provocar a quebra efetiva do banco.
Na esfera do trabalho, os efeitos de profecias autorrealizáveis têm a mesma raiz daquelas dos carismas. São de quatro tipos:
- José (que sonhou os anos de fartura e de escassez para o faraó): alude ao êxito ou fracasso na carreira em razão do trabalhador seguir ou não o que pressagiam os seus sonhos;
- Pigmaleão (que transformou uma estátua em mulher): refere à despersonalização, com base no prognóstico de que seguindo as orientações dos gerentes, o trabalhador terá uma carreira exitosa na organização;
- Placebo (que produz efeito sem ter a causa): atribui o êxito à predição de que o trabalhador o tenha;
- Procusto (que amputava os que não cabiam no seu leito): imputa o fracasso na carreira ao agouro de que o trabalhador não alcançará metas, que na verdade são impossíveis de serem alcançadas.
Estes vaticínios são temerários vez que os seus efeitos, à diferença das curas, das parlendas e das antevisões cristãs, não podem ser revogados a posteriori.