Epistemologia.
A Ars compendiosa inveniendi veritatem seu ars magna et maior, de Raimundo Lúlio, é um sistema de articulação das categorias da memória, da descoberta e da cognição. O seu fundamento é a certeza de que tudo o que existe é espelho do divino. O seu propósito é o da aproximação da Verdade. A sua dinâmica é a do esgotamento sistemático de todas as combinações elementais possíveis.
Em 1272, Lúlio (Ramón Lulll; Mallorca; 1235 – 1315), filósofo neoplatônico, havendo subido ao monte Randa, sofreu a experiência mística que lhe revelou os princípios da Ars. Inventou, então, a Máquina de Pensar que lhe deu fama.
A Máquina é incapaz de um só raciocínio. E, no entanto, foi o principal dos instrumentos heurísticos por séculos. Fisicamente, é um engenho destinado à configuração sistemática do real, mediante ajustes de círculos concêntricos, tábuas e outras figuras relacionais.
Os Verdades representadas têm origens na Cabala, na astrologia, no platonismo agostiniano. São de três ordens: dignidades divinas; atributos divinos; nomes divinos. Estão dispostas em dezoito chaves, capazes de abarcar os fundamentos de todos os saberes. Nove das chaves são Princípios divinos, “dignidades” ou predicados superlativos designados por uma letra. A letra A corresponde à perfeição, B à bondade, C à grandeza, D à eternidade, E ao poder, F à sabedoria, G à vontade, I à verdade, K à glória.
As letras estão unidas umas às outras por cordas e diagonais. A engrenagem primária da Máquina incita a pensar que a bondade resulta de, ou conduz a, ou, simplesmente, é grande, eterna, poderosa …. A secundária, que a bondade e a eternidade, a grandeza e o poder, …. andam aos pares. A terciária, que a bondade, o poder, a verdade, …. são tríades conexas, e assim indefinidamente.
A vacuidade destas correlações é discriminada pelas células dos compartimentos que congregam os nove relata possíveis: Diferença, Concordância, Contrariedade, Princípio, Meio, Fim, Maioria, Igualdade, Minoria. À força de “multiplicações” e “evacuações” se vão retificando os contratos, até dar com uma proposição de partida – não de chegada – para a memória, para a confirmação, e para a descoberta.
A Ars não é uma fórmula para rememorar, corrigir ou descobrir a estrutura do mundo, mas um guia de reflexão. Vale dizer: a Máquina não pensa por nós, ela nos obriga a pensar sem esquecer ou omitir uma relação possível entre conceitos e deles com o objeto sobre o qual dirigimos a nossa reflexão.
Lúlio inspirou filósofos como Nicolau de Cusa (1401-1464), Pico de La Mirandola (1463-1494) e Giordano Bruno (1548-1600). Trezentos anos após a sua morte, o jovem Leibniz (1646-1716), ainda retomava a Ars para elaborar o que denominou de “característica geral” na sua Dissertatio de arte combinatória, a base para o sistema binário, que fundamenta a ciência digital contemporânea.
Como instrumento de investigação a Máquina é absurda. Como utensílio heurístico, abre a mente ao despercebido, ao oculto e ao aleatório. Sobre a droga mais efetiva tem a vantagem de não ser tóxica e de não levar à dependência.
UTILIZE E CITE A FONTE.
Anthony Bonner (2007) The Art and Logic of Ramon Llull: A User's Guide. Leiden. Brill Borges, Jorge Luis (1996). A máquina de pensar de Raimundo Lulio (15 de octubre de 1937). In, Textos cautivos, in Obras Completas IV. Barcelona. Emecé Editores España S.A. Elkins, James & Robert Willians (ed) (2008) Renaissance Theory. New York. Routledge. Leibiniz, Gottfried Wilhelm (von). (1992) Dissertacción Acerca del Arte Combinatorio. Santiago. Universidad Catolica de Chile. Lima, Manoel (2011). Visual complexity: mapping patterns of information. Princeton, USA. Princeton Architectural Press. Yates, Frances A. (2007). A arte da memória. Tradução de Flávia Baucher. Campinas SP. Editora Unicamp.