Epistemologia.
A busca de aconselhamento no passado e a busca de conhecimento no futuro são empresas insensatas. Tanto o tempo passado como o tempo futuro não advém, mas sobrevém. O passado, porque é da natureza da recordação assomar ao espírito. O futuro, porque é da natureza do futuro estar em aberto.
A lembrança e a antecipação compartilham o deleite impune da fantasia. Como crianças, que de um pedaço de madeira fazem um automóvel ou uma boneca, as recordações nos permitem adoçar ou salgar o que já foi, e as projeções nos permitem dourar ou obscurecer o que ainda não é.
A ideia da fenomenologia hegeliana foi a de que examinando a história poderíamos conhecer o que acontecerá. Olharíamos para o passado desde uma perspectiva distinta do “espetáculo distante da massa confusa de ruínas“. O valor heurístico desta forma de ver seria o da antevisão contrafactual: o que nos poderá acontecer se … .
Mas as recordações verdadeiras não podem ser reconstruídas. São proustianas. Vêm a nós despertadas casualmente. Individual e coletivamente lembramos alguma coisa que se perdeu no tempo, que não sabemos exatamente o que é. Uma sensação que não garante nem mesmo que algo tenha sido perdido. Um tempo, um significado, uma experiência, que deva ou possa ser recuperada.
Toda projeção é uma visão fantasista do que queremos agora a partir do que nos aconteceu e do que aconteceu aos outros. A ideia de que devemos ter metas fundadas no passado para nos guiar em direção ao futuro é absurda: considera que possamos incorporar à consciência as experiências que ainda não tivemos.
A narrativa sequenciada dos acontecimentos é uma racionalização semificcional, e o valor heurístico das projeções a partir da notícia acumulada pela história tem se mostrado nulo.
UTILIZE E CITE A FONTE.
Hegel, Friedrich (1965) La Raison dans l’histoire. Introduction à la philosophie de l’histoire, trad. K. Papaioannou, Paris, UGE, coll. «10/18». Proust, Marcel (1981) Em busca do tempo perdido. Tradução Mário Quintana. Porto Alegre. Editora Globo.