Epistemologia.
O que costumamos denominar projeções objetivas não passam de representações ingênuas e de antecipações acanhadas. São perspectivas centralizadas, imagens e imaginários lançados na direção de um ponto diretamente adiante no espaço e no tempo.
A convergência de linhas de profundidade em um ponto de fuga é uma forma de ver tão simples e natural que parece única. É muito antiga. Figura já nos modestos cenários do teatro grego. Leonardo da Vinci a descreveu no seu “Tratado de pintura” como arte primogênita, anterior mesmo à música. Está presente em todos os domínios do saber. Nicole de Oresme (ca. 1360) formulou, em seu “Tratado sobre a mutação monetária”, a projeção idealizada de um estado em projeção direta no futuro.
A perspectiva central foi a forma de ver dominante nas artes, na filosofia e na ciência até que, no século XIX, os Impressionistas rechaçaram a representação naturalista, os poetas e músicos transcenderam as formas e Nietzsche postulou o perspectivismo, a consideração de um objeto e do mundo segundo diversos pontos de vista.
A heurística da transposição de cenário deriva remotamente de Leibniz, mas Nietzsche foi o primeiro a criticar a condição pela qual cada centro de força constrói todo o resto do universo partindo de si mesmo. Não só propôs ver como o outro veria, mas ver de outra maneira. Fundou, com isso, uma heurística do deslocamento de perspectiva, a prática de introduzir variações sucessivas das ligações do campo perceptivo com o objeto para fazê-lo emergir numa configuração não habitual, que nutriu o método fenomenológico de Husserl e que rege grande parte da gnosiologia contemporânea.
Um exemplo do deslocamento de perspectiva é o uso de artifícios como a microscopia ou a telescopia temporal. Dilatando ou contraindo a escala do tempo, como na aceleração ou no slow motion cinematográficos, esclarecem-se as causas das flutuações de preços, da mancha de ozônio, do mercado de trabalho, da bolsa, etc.
Nietzsche abriu caminho para entender os objetos não só do lugar e do tempo de onde falamos, mas para os descobrir na fluidez do seu transcurso. Reivindicou a possibilidade de uma transfiguração do banal. Legou à heurística não uma episteme da ruptura, como, mais tarde, fez Bachelard, mas uma ruptura da episteme que havia vigorado até a sua data.
UTILIZE E CITE A FONTE.
Bachelard, Gaston (1996) A Formação do espírito científico. Trad. Esteia dos Santos Abreu. Rio de Janeiro. Contraponto Da Vinci, Leonardo (2004). Tratado de pintura. Tres Cantos, España. AKAL Ediciones. Hülsmann, Jörg Guido(s/d). Nicolás Oresme y el primer tratado monetario. Recuperável em http://www.institutoacton.com.ar/articulos/12arthulsmann2.pdf Husserl, Edmund (1981); Pure phenomenology, its method and its field of investigation, (inaugural lecture at Freiburg im Bresgau – 1917) in McCormick, Peter e Elliston, Frederick A. Editores; Husserl: Shorter works; Indiana; University of Notre Dame Press. Leibniz, Gottfried W. (2009). A Monadologia e outros textos. Trad. Fernando Luiz B. G. e Souza. São Paulo: Hedra. Nietzsche, Friedrich (2009). Genealogia da Moral. Tradução de Paulo Cesar de Souza. São Paulo. Cia das Letras.
Obrigada! Eu li.
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