Ética.
É preciso conhecer a noite para distinguir a claridade. Não há sol sem sombra, e toda verdade joga luz sobre os que vivem no aconchego da escuridão. Ao fazê-lo, retira suas referências mais confortadoras.
O escapado da caverna de Platão pode voltar e libertar seus companheiros. Só ele se arrisca a ser repudiado. O escapado das engrenagens do mundo contemporâneo, não. Ao mostrar que o rei está nu, faz recair sobre ele e sobre os que lhe escutam o ódio mundano.
Camus escreveu que o que distingue a sensibilidade contemporânea da sensibilidade clássica é que essa se nutre de problemas morais e aquela de problemas metafísicos. O argumento é esquemático, mas verdadeiro. A sensibilidade contemporânea se alimenta de problemas da psique. Cada um se volta sobre seu pequeno mundo, interpreta a si mesmo, tenta ajustar-se à evidência da sua insignificância, procura se socorrer no convívio destituído de sentido.
Não se trata do gregarismo biológico, mas do pertencimento, da disposição infantil a aderir a qualquer coletividade, ainda que seja a dos que assistem a mesma série na Internet.
O ser humano precisa de signos de reconhecimento que o protejam da lucidez. Acena para o trem que parte e para o navio que passa, embora saiba que os passageiros não o podem ver.
Somos como o menino que assovia na escuridão da noite para dissimular o medo que sente de estar só.
UTILIZE E CITE A FONTE.
Camus, Albert (1951) L’homme révolté. Paris. Gallimard