Trabalho.
Quarta tese sobre a perda de centralidade no trabalho – Yves Michaud
A época de Homero foi governada pelo valor da coragem. O século XVI via o mundo através da religião. Todo período histórico gira em torno de um eixo. Isto é fácil de aceitar. Mais difícil é admitir que o eixo “trabalho” como fonte de aprendizagem, de suplicio e de realização, foi ultrapassado.
Charles Baudelaire, morto pelo tédio, escreveu que o trabalho é menos tedioso que o prazer e que único remédio contra o mal du siècle é estar sempre embriagado de vinho, poesia ou virtude. Os prazeres físicos, sensíveis e intelectuais (Campos).
Neste início de milênio, outro francês, Yves Michaud (Lyon, 1944), filósofo, professor e gestor público, confirmou empiricamente o acerto do Poeta: o eixo sobre o qual gira a sociedade ocidental se deslocou do trabalho para o prazer estético.
O termo “estética” foi cunhado pelo filósofo alemão Alexander Gottlieb Baumgarten no século XVII. Ele o definiu como aquilo que não é puramente teórico, nem puramente sensitivo. Tomou a categoria do “claro, mas não distinto” de seu mestre Leibniz, que havia feito desbotar o claro e distinto cartesiano.
O que fez Michaud foi registrar como a tecnologia da comunicação genérica e instantânea está provocando uma renovação brutal da forma como percebemos as relações sociopolíticas. No mundo em que o sujeito é um objeto indistinto dos outros, na sociedade em que os objetos são exclusivamente aqueles que o sujeito reconhece como tal, a fruição veio ocupar o vazio deixado pelo esfriamento dos valores laborais.
Reconhecemos o objeto trabalho, mas não o discriminamos das outras atividades humanas. Vivenciamos formas transversais de sociabilidade, com as quais temos que aprender a lidar sob pena de nos isolarmos e nos perdermos na névoa congelante. O trabalho está em mutação, mas, sobretudo, o trabalho está abandonando o proscênio da vida social. Inútil se opor ou tentar retroceder.
UTILIZE E CITE A FONTE.
Cf. Descola, Philippe (2014) La composition des mondes. Entretiens avec Pierre Charbonnier. Paris. Flamarion Foucault, Michel (2007). As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Tradução de Salma Tannus Muchail. São Paulo. Martins Fontes.