Ética.
Caim perguntou a Deus porque deveria cuidar do seu irmão. Não obteve resposta. Pareceria natural que devêssemos cuidar uns dos outros. Mas não é assim. E nem todos pensam que deva ser assim.
Na metáfora da Caverna, de Platão, o que foi libertado para a luz não é obrigado a voltar para resgatar os demais. Tendo alcançado a mais alta forma de vida – o bios theorétikos, a sophía, a phrónesis –, por que alguém deveria retroceder e se misturar com a gente comum? O próprio Platão argumenta que aqueles que constatam a insensatez da multidão e que reconhecem que não há nada de sadio em administrar a coletividade, têm escolha. Podem cuidar de si, viverem livres das injustiças e das obras ímpias, ou podem cuidar dos outros, tentar livrá-los da ignorância e trazê-los para o campo das obras pias.
A segunda opção é a do agir de acordo com a ética altruísta, uma invenção que os gregos justificaram por lógica. Para eles – e, desde então, para muitos no Ocidente – a conquista da liberdade, de sair para a luz do espaço aberto, não seria completa se não incluísse a emancipação de tudo o que a alteridade possui em valores negativos.
Inexiste solução categórica para o pêndulo que oscila entre o altruísmo e o egoísmo. No presente, o horror ao comunismo – muitas vezes inconfessado – é o de ver interditada a opção individual. Não existe o comunismo que não seja o de caserna, o da disciplina coletiva, em que se é obrigado a agir segundo o que foi determinado como sendo o interesse de todos. Do outro lado, o horror ao liberalismo econômico – muitas vezes inconfessado – é o de ver impedido o convívio franco. Não existe liberalismo que não seja o da salvaguarda do interesse próprio, o da competição, o do homem lobo do homem.
Passados tantos séculos, o dilema perdura. Não podemos nos negar moralmente a nós mesmos, nem podemos negarmo-nos aos outros, porque o negarmo-nos aos outros é nos negar moralmente a nós mesmos.