Perplexidades.
O mal absoluto é a perda da identidade. Essa a conclusão a que chegou Alan Montefiore, do Balliol College de Oxford, ao estudar a vida dos sobreviventes da Shoah.
A aniquilação do meio em que se nasceu, bem como o padecimento ante a maldade alheia, bloqueiam as lembranças. Anulam a capacidade de narrar – aos outros e a si mesmo – os eventos da vida. A determinação de falar em língua alheia, de assumir os elementos de outras culturas, de desconhecer a própria história, impersonalizam.
Em proporção, os violentados pela demência, pelo afastamento da comunidade, pela demissão ou aposentadoria indesejada têm bloqueada ou destruída a narrativa das suas vidas. Ao desmoronar a relação com o mundo que os cerca, perdem a identidade, a capacidade de se auto representarem.
O asceta cartesiano, aquele que possui uma intuição imediata e não temporal do seu próprio estado e a plena consciência de si, é uma fantasia impossível de ser efetivada. A identidade é frágil, é incerta. Tem componentes ficcionais e deve ser incessantemente reedificada ante um meio exterior mutante.
Simondon escreveu que o ser humano tem duas faces. Uma neutra, não identificada, outra identitária e própria. O vitimado, o alijado, o estranho, o singular não pode expor a face íntima. Deve omitir a própria vida, sob pena de segregação pela mediocridade societária na qual aspira se inscrever.
Incompreensivelmente, alguns programam o divórcio de si. Procuram agir racionalmente, isto é, serem frios, neutros, indiferentes. Evitam considerar os outros como pessoas. Os enxergam como peças da engrenagem social. O preço que pagam é o do aniquilação do Eu. Desesperam da própria humanidade.