Ética.
A Carta que Franz Kafka, já adulto, escreveu ao Pai trata de dois temas: o da dominação psíquica e o da impossibilidade de a corrigir.
O Pai, análogo de toda autoridade, incluindo a divina, dita normas que ele mesmo não cumpre. Regras injustificáveis, tenebrosas, impossíveis de serem seguidas.
O Filho, apesar do medo e da sujeição à autoridade, sente uma culpa injustificada em não cumprir as normas paternas. Mas não pode responsabilizar o pai, porque é da natureza da autoridade ditar regras. Razoáveis ou não.
Ambos, escreve Kafka, estão muito velhos para mudar. O que pede é que, admitindo isto, possam encontrar um modo de conviver em paz. Em vão. No íntimo, Franz sabe que o Sr. Hermann não o entenderá.
O autoritarismo é incorrigível. Durante o breve transcurso de uma existência, a pessoa ou grupo que, por qualquer meio, governa um consórcio humano tende a se colocar acima dos outros, a impor suas convicções sem atentar para a pluralidade das diferenças naturais e culturais dos indivíduos.
No mundo efetivo, toda autoridade é sempre convidada por engano. É desnecessária, como acontece com o agrimensor de O Castelo. Daí que seja da sua natureza buscar com insistência um sentido para si e para as instituições que a sustentam. Um sentido que não há, como sabia Kafka, que morreu sem que a Carta tivesse sido enviada.