Ética.
Bentinho age como age porque pensa que Capitu lhe é infiel. O garçom de Sartre atua da maneira que acredita que os garçons se comportam. O agrimensor de Kafka se conduz desta ou daquela forma conforme espera ser punido ou recompensado.
Na literatura e na vida cotidiana agimos como se as condutas tivessem uma lógica clara e determinável. Tendemos a explicar as ações, nossas e alheias, atribuindo-lhes intencionalidades. Essa predicação é sem fundamento.
Já em 1649, Descartes se via às voltas com o problema da interação entre a alma – aquilo que anima as ações -, e o corpo, o autômato de carne e osso que age. Não a resolveu. Tampouco é satisfatória a mecânica de Hegel, a duvidosa hipótese de que Cesar lutava por suas mulheres e seus cavalos, e que isto, dialeticamente, havia erigido o Império Romano. O materialismo histórico e o positivismo contornaram a intencionalidade.
Evitaram discuti-la.
Husserl disse que a intencionalidade é imanente ao sujeito, que os pensamentos emergem de um sistema auto organizado que governa o ser humano e a sua resposta ao meio. Heidegger notou que nosso agir nem sempre é propositado. Wittgenstein, que o cérebro não é um homúnculo que observa as experiências sensíveis, como se as visse em um monitor, para agir em seguida.
Os pensadores que formaram a cultura filosófica que chega ao século XXI concordam em essência, mas não oferecem resposta prática à questão entre o que é deliberado e o que é acidental na conduta humana. Ou sequer a consideram. E, no entanto, o ponto não é menor. No interstício entre intenção e gesto permanece o insondável, e o insondável não pode ser o fundamento da moralidade.