Perplexidades.
Líamos Marx como quem olha para nuvens. Estava tudo lá. Uma simples palavra como “fantasia”, no trecho: “A natureza … das necessidades … se ela se origina do estomago ou da fantasia, não altera nada das coisas” elucidava realidades passadas e futuras. Permitia ao devoto explicar desde o estruturalismo até a sociedade de consumo.
Líamos Marx como, na Antiguidade, se leu Virgílio: tirando a explicação de tudo das palavras consagradas na Eneida. Encontrávamos a chave da Máquina do Mundo no Capital, como os cristãos encontravam o destino do dia nos versículos da Bíblia.
Líamos Marx para citar, como se liam as sagradas escrituras, as bulas papais, os Santos Padres e os Doutores da Igreja. Os escolásticos, ao se depararem com divergências entre as auctōritatēs, diziam a fórmula: non sunt adverse, sed diversi. Nós, quando encontrávamos desacordos entre o factual e o Materialismo Histórico, dizíamos a fórmula: “trata-se de outra época, mas no essencial o conceito está correto”.
Líamos Marx para garantir que nada se inventara. Os obstinados que retornam ao Livro para entenderem o que se passa a sua volta são como o ganso do foie-gras: andam à roda porque têm uma das patas pregadas ao chão. Não se exercitam. Regressam sempre ao ponto em que o alimento lhes será empurrado goela abaixo.
No século passado, jovens imberbes, líamos Marx para saber a nossa própria opinião. Muitos, até dentre os Melhores, ainda se prendem ao círculo viciado daquela adolescência.