Perplexidades.
Houve sempre quem acreditasse que queremos aquilo de que gostamos. Mas o querer e o gostar são dois sentidos diferentes. Posso querer tomar um café e não gostar de café. Posso gostar de café e não querer tomar café.
O étimo esclarece que gostar – do indo-europeu *geus– escolher, pelo latim gustus, sabor – significa atribuir preferência ao que nos dá prazer (latim, placëre, agradar). Gostamos do que nos agrada. O gosto é uma afecção, um movimento da sensibilidade que consiste em uma mudança de estado mental provocada por causa exterior. Seus vieses se ligam à busca do preenchimento de um vazio real, como a sede, ou artificial, como o luxo. Seu oposto é a mágoa. Sua ambição é o deleite.
Já o querer está preso à busca da supressão de uma necessidade biológica ou psicológica. Tem como efeito a satisfação, do latim satis, bastante, como em saciado. Queremos o que nos dá uma satisfação transitória. Os vieses do querer são as falsas necessidades e as necessidades criadas, como as psicológicas do consumismo é as biológicas dos vícios. O querer é consciente, imaginado de antemão e resolvido pelo agir (o “movimento” segundo Epicuro), para supressão de uma carência. Seu oposto é a dor. Sua ambição é o contentamento.
A distinção permaneceria restrita à filosofia se Kent Berridge, biopsicólogo e neurocientista, pesquisador no campo da motivação, não tivesse demonstrado que os sistemas de prazer são desvinculados da dopamina mesolímbica, a mediadora do querer, e ligados a hotspots hedônicos no cérebro. Berridge deu caráter científico ao que sabiam todos que já foram viciados, mesmo em drogas leves, como o tabaco: querer desesperadamente dar um tragada, não significa gostar da fumaça preenchendo os pulmões e do cheiro que exala.
As implicações são múltiplas. Por exemplo: desejar a ordem social não significa gostar da caretice. Afinal, que prazer pode resultar da adesão à convenções, ao cumprimento dos deveres institucionais? O tema é espinhoso. A maioria prefere evitá-lo. Excetuando as pessoas de índole libertária, poucos desejam ou gostam que se chame a atenção para a opacidade das luzes irradiadas pelo estabelecido.