Ética.
O termo tolerância tem duplo significado: o explícito, de que o Outro deve ser aceito, e o implícito, de que é inferior. Tolerar é presumir o dessemelhante como vulgar, inepto e pernicioso.
A tolerância é uma estratégia, não uma virtude. O termo só passa a significar a passividade entre os credos após as guerras religiosas dos séculos XVI e XVII. Os argumentos a seu favor – todos extra-morais – se mantém inalterados desde aquela época.
O argumento político, de Espinosa (1603-1677), diz que a intolerância reforça a convicção dos que discordam e gera a revolta. O argumento heurístico, de Voltaire (1694-1778), diz que devemos ser tolerantes porque pretender ter a razão absoluta anula a possibilidade da descoberta. O argumento religioso, de Erasmo (1466-1536) e de Locke (1632- 1704) diz que a perseguição é violência e que a violência se opõe à civilidade e à caridade. O argumento essencialista (de Erasmo) diz que se concordamos política ou religiosamente no fundamental (credo minimum), a razão da intolerância desaparece. O argumento legalista (Locke e Erasmo) diz que a intolerância é um mal porque produz a coalizão dos discordantes e porque a repressão dos hereges, ao criar mártires, é contraproducente. Com maior força, Voltaire argumentou que a tolerância se opõe ao fundamentalismo. Que é preciso esmagar o fanatismo cristão (écraser l´Infâme), alicerçado na superstição e na ignorância, em nome do interesse público. Além disso, tolerar, sintetiza Voltaire, é melhor também do ponto de vista econômico: favorece o comércio de bens e traz a riqueza.
As alegações em defesa da tolerância são de ordem política, heurística, religiosa, social, econômica e estratégica. Não há arguições no campo da filosofia moral. Por isso, nenhum dos seus defensores pregou a assimilação do diferente.
UTILIZE E CITE A FONTE.
CHERQUES, Hermano Roberto Thiry, 2021 – A tolerância: de Erasmo a Voltaire. – A Ponte: pensar o trabalho, o trabalho de pensar – https://hermanoprojetos.com/2021/12/01/a-tolerancia-de-erasmo-a-voltaire/
REFERÊNCIAS:
Érasme (1984). Lettre à Carondelet 1523. In La correspondance d’Érasme. Bruxelles. Éditions Gerlo – De Braaf.
Érasme (1984b). Lettre Voltaire. In, La correspondance d’Érasme; Bruxelles. Éditions Gerlo – De Braaf.
Espinosa, Baruch (2009). Tratado Político. Tradução de Diogo Pires Aurélio. Martins Fontes, São Paulo.
Locke, John (1959) An essay concerning human understanding. New York. Dover.
Locke, John (2019). Carta sobre a Tolerância. Lisboa. Edições 70.
Voltaire (1887). Œuvres complètes de Voltaire. Paris. Garnier, Wikisource.
Voltaire(2018) artigo consciência, in Dicionário Filosófico Voltaire. São Paulo. Lafonte.