Perplexidades.

Nada mais tradicional do que os clãs escoceses. No entanto, trata-se de uma invenção de dois galeses, os irmãos Allen, que na década de 1840 pretenderam ser herdeiros dos Stuarts. Também o kilt, a saia em madras, foi inventado por um inglês, um mestre ferreiro, instalado em Inverness, nas Highlands, que, em 1726, teve a ideia de vestir seus empregados de uma forma mais prática. Antes os escoceses utilizavam uma saia longa, copiada dos irlandeses, que os haviam colonizado.
Inventar tradições é parte do processo evolutivo. Tanto quanto as destruir. Pierre Bourdieu no seu curso sobre Manet no College de France, denominou de “révolution symbolique” o surgimento da arte moderna. A revolução não estava nas pessoas nem nos temas, mas na quebra das tradições que erigiram uma “nova evidência” e modificaram os critérios de nossa percepção.
A evolução que estamos sofrendo na atualidade não é inventada nem simbólica. Decorre da extrusão súbita das tradições pela convergência simultânea de oito sistemas de pressão: 1) aprendizado e inteligência artificial; 2) alongamento da velhice, com os cuidados inerentes; 3) web e automação; 4) epidemias; 5) fundamentalismos; 6) migrações forçadas e temporárias; 7) mudanças climáticas; 8) privacidade e segurança de dados.
O termo tradição vem do latim tradere, entregar, por em mãos. É uma palavra composta do prefixo trans – além; e de dare – doar. A experiência histórica sugere que, face a intensidade e a assimetria na destruição dos mitos, costumes e valores atuais, quaisquer que sejam os cenários decorrentes da convergência dos fatores de pressão, ou bem nos dedicamos logo a inventar tradições adequadas ou entregaremos aos que chegam um mundo em tumulto cultural desastroso.