Epistemologia.

Sócrates contou a Fedro que o deus Toth ofereceu a Escrita ao Faraó. Esse a recusou, alegando que destruiria a Memória. Ao substituir a recordação por marcas externas, a humanidade perderia o hábito de reconstituir o visto e o vivido, amputando a Imaginação.
Os Gregos da era clássica acreditavam que a anamnese, o desesquecimento, era uma das principais funções da inteligência. Pensavam que sem o aprendizado e o exercício de memorizar a razão decai. Partilhavam a convicção de que a escrita é autoritária, já que impede o questionamento e a correção imediatos. Só o intercâmbio oral, a licença para interromper, como nos diálogos de Platão, poderia avivar o intelecto e encaminhá-lo para o discernimento.
Nós, que dialogarmos com máquinas, desaprendemos a cultivar memórias. Partes essenciais do processo de pensamento – a lembrança e a associação – passaram a acontecer fora da mente, atrofiando o cérebro. Ao perdermos a base para ver além daquilo que pode ser processado, já não admitimos a infinitude das possibilidades. A retificação da memória vem debilitando a faculdade heurística.
Jorge Luiz Borges disse que a cultura de massa é uma máquina de produzir lembranças falsas e experiências impessoais. Tinha razão. A foto, o filme, e a web, fáceis e imediatos, captam e difundem a figura e a forma do mundo. Hoje todos sentem a mesmas coisas e recordam as mesmas coisas, e o que sentem e o que recordam não é o que viveram. Como havia previsto o Faraó.