Perplexidades.
Oswald de Andrade chamou a atenção para o “estorvo ideológico” da dívida – seja a religiosa, a econômica ou a psicológica – que pensamos ter para com o futuro. O ora et labora, o vintém poupado e o dever cumprido são fantasias destinadas a modular a conduta dos espíritos pueris.
Só a prolepse, o sentimento do que virá, a pré-noção dos acontecimentos, nos ajuda a prever o futuro.
A prólêpsis grega (lat. antecipatio) participa do fenômeno da apreensão (katalepsis) da memória involuntária das impressões. Para Epicuro, era um dos três critérios da verdade. Os outros dois eram a sensação (asísthesis) e a emoção (páthos). Juntos, formavam os conceitos de gênero e espécie, mediante os quais os dados da experiência são antecipados pela mente.
Entre os adeptos do Jardim, o resultado da apreensão repetitiva do mesmo tipo de objeto constituía uma espécie de resíduo fundamental: a justaposição do pensamento que se constitui espontaneamente a partir da percepção do singular. Tanto percebemos os muitos tipos de animais, que antecipamos o conceito de animal para entes que não conhecíamos.
Obscurecida pela cientificidade burguesa, a prolepse apagou-se das convicções. Foi silenciada pelo dogma da impossibilidade de sermos informados mediante as impressões e o acaso. A antevisão à sentimento foi trocada pela incerta e equívoca projeção probabilística.
Uma perda lastimável. O porvir não é uma possibilidade, mas uma certeza óbvia: a da dissolução do agora. Para desativar a ilusão projetiva denunciada por Andrade, a esperança que restou é a do Índio de Caetano Veloso, da confluência do passado e do futuro no presente (virá que eu vi).