Perplexidades.
Seis mil anjos têm como encargo deslocar as estrelas. Não fossem eles, os corpos luminosos se dispersariam ou imobilizariam. Essa a explicação medieval para o ordenamento dinâmico do céu. Sabemos que não é assim. Que os seres inertes se movem por impulso, gravitação e entrechoques. Que os seres animados se movem por estímulo instintivo. Que os seres humanos se movem segundo pulsões, desejos e necessidades reguladas por normas sociais. O que não sabemos nem podemos antever é quais as normas que emergirão do insulamento imposto pela pandemia, facilitado pela tecnologia, naturalizado pela economia.
O termo latino nórma,ae significava originalmente o conjunto de instrumentos utilizados para medir os ângulos nas construções. Com o tempo, o conceito foi estendido a todo critério de juízo paradigmático. Nos idiomas modernos, normas são enunciados que dizem se uma ação ou relação é obrigatória, recomendável, permitida, inconveniente ou interdita.
As normas são diferentes das leis. As leis dispõem sobre o obrigatório e o proibido. Consideram a omissão como permissão. São explicitas. Quem as transgride incorre em sanções pré-determinadas. Já as normas são implícitas. Devem ser aprendidas, descobertas. Quem as infringe incide em sanções não estruturadas e transitórias: o menosprezo, o sarcasmo, as ameaças, a segregação.
As normas baseiam-se em um caso único, um modelo ou em um exemplo. As que hoje vigoram logo caducarão. E não dispomos modelos ou exemplos de uma coletividade de corpos ausentes e de mentes emancipadas de controle. Mesmo que tivéssemos o coro angelical d’antanho, faltariam à web os critérios e os instrumentos de ordenação. Não há anjos que conformem a nuvem digital. Só há os que nela se assentam ou se escondem.